« Página inicial | NOTÍCIA » | Clientes devem 8,6 milhões aos Laboratórios de Estado » | 18 patentes em cinco anos » | O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superio... » 

sexta-feira, junho 30, 2006 

NOTÍCIA

No Público: Reforma dos laboratórios de Estado em consulta pública até ao final de Julho.

O MCTES recomendou o Instituto de Investigação Científica Tropical, “na sua vertente de agricultura tropical e ciências biológicas” a integrar o consórcio BIOPOLIS associando outras instituições: ITQB, o IBET, o IGC e o L-RBN, “assim como empresas e incubadoras na área da biotecnologia, centrando-se em Oeiras o pólo central dessa agregação de esforços, o qual deverá ser estruturado e desenvolvido em estreita articulação internacional". Nesse sentido, será importante melhorar a interacção com o Consultative Group on International Agricultural Research, não só para a investigação nas áreas em questão mas também para benefício da investigação interdisciplinar.

O relatório pede para se fazer maior ligação à política externa portuguesa e a outros ministérios ligados aos países em desenvolvimento. O IICT recentemente definiu duas vertentes essenciais na sua investigação: a ligação aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e à iniciativa portuguesa que passa por disponibilizar o património fruto de história comum a todos os países da CPLP. Também, nos órgãos externos do IICT têm assento representantes do MNE, M. Finanças, M. Saúde, M. Economia, CPLP, Banco Mundial, Fundação Portugal-África, etc. Parece no entanto consensual que ainda há um longo caminho a percorrer.

Outras questões foram levantadas: redução de moradas, eliminação da investigação que não seja especificamente orientada para as questões tropicais, encontrar novas fontes de financiamento, principalmente junto de organismos internacionais, envolver todos os beneficiários das actividades do IICT no trabalho científico do Instituto, etc. Um aspecto essencial deste relatório foi o reconhecimento da integridade do Instituto e o reconhecimento de que houve uma clarificação da sua missão.

Para responder às recomendações, o IICT reforçou o grupo que preparou o primeiro relatório entregue aos avaliadores. Trata-se do GPAV (Grupo de Preparação da Avaliação) que irá acompanhar o processo da avaliação e da sua aplicação. Fazem parte pessoas de diferentes áreas, representando a interdisciplinaridade do Instituto (estruturado em três competências: Memórias e Identidades, Desenvolvimento sustentável e Segurança Alimentar e Acesso e Preservação do Património): a Doutora Ana Morgado (coordenadora), fotogrametria, o Dr. Vítor Rosado Marques, biologia, a Doutora Ana Cannas, arquivística, o Doutor João Pedro Marques, história, a Doutora Ana Ribeiro, biologia molecular de plantas (que fará a ligação com o BIOPOLIS) e a Dra Maria João Garcia, economia. Este Grupo irá participar activamente neste blogue. A primeira opinião será a do historiador Doutor João Pedro Marques.

Para levantar o debate público sobre a reforma no IICT foi colocado à disposição no site do IICT um espaço de debate, no seguimento deste Blogue, e será realizada uma reunião geral de funcionários que terá lugar na segunda metade de Julho.

Sofia Lopes
Bolseira na Área da Comunicação no Instituto de Investigação Científica Tropical

Não deixa de me surpreender o turnaround que o IICT teve. Este LE passou a ser um exemplo vibrante de sucesso e profissionalismo. É também um exemplo de como se pode arrumar a casa sem extinguir a espécie. Basta ter um presidente à altura.

IICT e a História

Os blogues são tribunas públicas utilíssimas mas tendem muitas vezes a gerar uma certa confusão argumentativa, em grande parte devido à acção de “anónimos” que aproveitam o ensejo para fazer remoques ou para lançarem afirmações gratuitas, o que não ajuda a clarificar a discussão. Os laboratórios de Estado são muito diferentes entre si, têm objectos de estudo e problemas diferentes, performances variadas, e fazer juízos gerais a seu respeito, no género dos que podem ler-se por aí, não ajuda muito.

Acho, por isso, que convém separar para clarificar e é nesse sentido que eu me proponho abrir este espaço especificamente destinado à discussão de um laboratório de Estado em particular, o IICT.

O relatório do Grupo Internacional de Trabalho e as recomendações sobre a reforma do sistema dos laboratórios de Estado aponta para a manutenção da integridade do IICT, o que deve ser visto como um facto positivo pois trata-se do único laboratório de Estado com uma componente de Ciências Humanas e durante muito tempo temeu-se que essa componente viesse a ser posta em causa. Mas, esse horizonte auspicioso — a confirmar-se — não parece igualmente adequado para todos os campos da investigação que constituem actualmente o IICT. Aqui preocupar-me-ei apenas com um desses campos, ou seja, com o sector do Instituto que está de alguma forma ligado à História.

Ao eleger aquilo que designou “iniciativa portuguesa” como um dos objectivos centrais do IICT, apostando numa ligação entre Memória e Património, a actual direcção do Instituto parece ter seguido uma estratégia acertada para assegurar a sobrevivência das áreas do conhecimento ligadas ao estudo do passado. A instituição dispõe, de facto, de arquivos importantes e é bom que os seus historiadores se envolvam na importante tarefa de disponibilizar fontes do conhecimento a outros investigadores e ao público em geral. Já está, aliás, em curso um notável esforço nesse sentido. Mas, ao mesmo tempo que, ancorando a História ao Património, essa opção terá dado uma utilidade imediatamente perceptível aos historiadores do IICT, será importante não perder de vista que poderá também limitá-los, tornando-os unidimensionais.

É nesse sentido e enquanto historiador que algumas das recomendações do Grupo Internacional de Trabalho me colocam problemas e me sugerem soluções complementares.

Comecemos, então, pelo enunciado dos problemas:
Em simultâneo com uma recomendação para manter a integridade do IICT, o relatório dos avaliadores acrescenta imediatamente que as suas “historical components” deverão beneficiar de sinergias com “its research activities” (p. 24). Esta frase é algo obscura e parece consagrar uma dissociação da História das “research activities”, como se fossem coisas distintas. Por outro lado, o Grupo Internacional de Trabalho pensa que o Instituto pode — isto é, deve — fazer mais “in support of Portuguese external relations” (p. 24), se tal lhe for pedido, e, na sua esteira, as orientações emanadas do Conselho de Ministros relembram a necessidade de os laboratórios do Estado aumentarem o seu “apoio ao Governo em matérias de interesse público” (p. 1).

É possível que esta última recomendação não cause problemas especiais nas áreas ligadas às Ciências Naturais. Mas, nas áreas ligadas às ditas Ciências Humanas e, em particular, à História, recomendações ou directivas deste género podem pôr em causa a própria essência da disciplina. Convirá ter presente que a História é um tipo de conhecimento que não deve estar subordinado a interesses políticos. A política do Estado, mesmo quando animada das melhores intenções, como é certamente o caso, não é a política da História, que deve ser livre para buscar os seus objectos de estudo e que deve admitir, à partida, que os resultados obtidos pelo historiador poderão ser incómodos. No contexto do recomendado pelo Grupo de Trabalho, o que aconteceria, por exemplo, se uma investigação rigorosa chegasse a conclusões contrárias aos interesses da política externa portuguesa? Deveria ser corrigida? Deveria ser ignorada?
Dir-se-á que o problema não se coloca por várias razões e desde logo porque, no contexto das mesmas recomendações, a história parece estar exclusivamente ligada ao património. O que nos leva ao eventual problema da dissociação entre as “historical components” e as “research activities”.

Não há dúvida de que a “iniciativa portuguesa” deve figurar na primeira linha das actividades dos historiadores do IICT. Mas, será prudente cavar uma dissociação tão funda entre as duas categorias? Em minha opinião, o Instituto deverá procurar manter, em segunda linha, um conjunto de investigações diversificadas e livres — ainda que no âmbito circunscrito pelas suas identidade, competência e missão — nascidas da imaginação criativa dos seus historiadores. Aqueles que produziram nos últimos anos trabalho de qualidade reconhecida merecem que lhes seja dado um tempo razoável para que possam continuar a demonstrar a validade das suas investigações, porque a história é um conhecimento por acumulação: exige tempo para produzir resultados.

Importa, aliás, frisar que nos últimos anos foi justamente desse sector não directamente ligado ao património que surgiram alguns dos contributos que gozam aparentemente de maior reconhecimento nacional e internacional. E pode acrescentar-se, também, porque esse tema tem sido glosado em várias intervenções, que o número médio de livros e de artigos publicados pelos historiadores do IICT é muito apreciável, sobretudo se tivermos em linha de conta que, por falta de meios, o Instituto deixou há muito de poder sustentar uma política editorial, o que obriga os referidos historiadores a terem de arranjar espaço fora da instituição e num universo ultra-competitivo, para tornarem públicos os seus trabalhos.

E que terá o Instituto a ganhar com estas investigações de segunda linha? Por que razão deverá o Estado pagar os vencimentos de historiadores do IICT que se dediquem a temas não imediatamente associados à “iniciativa portuguesa” para o património? Para que servirão eles? Ou, ampliando a pergunta, para que serve a história (ou a filosofia e outros campos do saber sem aplicação prática tangível e imediata)?

A primeira resposta que me ocorre é que serve para reforçar o sentido crítico e auto-crítico de cada um de nós e da sociedade. Poderão as nossas sociedades ocidentais prescindir dessas crítica e auto-crítica? Não é justamente nessa capacidade para gerar, aceitar e integrar a crítica que reside uma das raízes da sua vitalidade?

João Pedro Marques,
Membro do Grupo de Preparação da Avaliação (GPAV), do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT)

Enviar um comentário